Hidras, Animóides e o Laboratório de Estruturas Celulares



Esta linha consiste em um exemplo de pesquisa do tipo "bottom-up", em que consideramos sistemas naturais (tecidos biológicos e espumas) onde claramente existe difusão não normal. Estes sistemas celulares apresentam ordem de curto alcance e, dependendo das condições, difusão de células ou bolhas. A movimentação das células e bolhas dependem da sua vizinhança, de uma maneira não trivial. Existem várias tentativas de escrever uma equação de hidrodinâmica para tais sistemas. Para validar esta equação as propriedades mecânicas de um fluido celular, tais como coeficiente de difusão, tensão superficial, viscosidade, comportamento sob tensão de cisalhamento, etc., precisam ser investigadas experimentalmente. Nesta linha de pesquisa contamos com um laboratório montado para trabalhar com sistemas celulares, tanto espumas como tecidos biológicos (hidras e células tumorais). Assim, faz parte dos objetivos a obtenção experimental de propriedades mecânicas e a utilização destas medidas em modelos computacionais para tais sistemas.


Agregados aleatórios de células de hidras


Células estão constantemente movendo-se sobre ou em tecidos. Esse movimento é, em geral, difusivo e depende da maneira como as células interagem entre si em com o seu entorno. Fenômenos como a formação de um tumor a partir de uma única célula cancerosa ou de um organismo a partir da célula-ovo, a gênese de membros e diferentes órgãos, podem ser explicados pela associação destes movimentos com a diferenciação celular. Células em tecidos aderem umas às outras e diferentes tipos de células apresentam intensidade de adesão diferentes. Unidades difundindo e ao mesmo tempo sofrendo forças de atração também podem constituir um líquido tal como os físicos concebem. Há muito tempo se especula se o movimento das células em um tecido biológico poderia ser descrito como o de um fluido biológico, onde as escalas são muito maiores que aquelas de um fluido regular. A investigação de um tal tema tem que se dar em estreita colaboração com experimentos, de onde vêm a informação relevante para se construir um modelo realista. Organismos biológicos apresentam grande variabilidade em tecidos e tipos celulares, dependendo do objeto de estudo diferentes organismos podem ser selecionados, e dentro destes diferentes tecidos. Para o estudo da difusão celular o cnidario hidra, pela sua capacídade ímpar de regeneração e sua simplicidade orgânica, se apresenta como uma das escolhas mais promissoras. Em laboratório um agregados celulares aleatórios de hidra é capaz de reconstituir um animal perfeitamente funcional. Este fenômeno envolve a i) segregação dos diferentes tipos célulares ii) o estabelecimento da razão correta entre os números de células de cada camada e iii) a formação da cavidade gástrica.


No nosso laboratório podemos realizar as experiências de regeneração, investigar propriedades mecânicas dos agregados, medir difusão celular e tensão superficial dos agregados, o que nos dá informação a respeito das energias de adesão entre as células de mesmo tipo e de tipos diferentes. Dados como a distribuição de tamanhos celulares e a razão entre o número de células de diferentes tipos no agregados mostraram ser importantes nas nossas simulações númericas do fenômeno de "burst" (Mombach et al 2001) e presentemente são também tema de investigação experimental.


As simulações numéricas são realizadas com base em duas diferentes técnicas: modelo estendido de Potts e Animoides. No modelo estendido de Potts, uma célula é representada por um domínio de sítios de mesmo estado. A dinâmica se dá por Monte Carlo à temperatura finita, com uma função de energia que descreve a afinidade entre células diferentes e um termo de área que mantém as células em um tamanho médio fixo. O modelo de Potts tem a vantagem de sempre explicitar a forma das células, o que nos dá informação sobre o quanto estão deformadas devido às tensões externas. No entanto, em 3D, essas simulações são muito custosas em termos de tempos computacionais. Alternativamente, estamos utilizando Animoides, que são agentes autopropelentes cuja dinâmica individual é tal que todos apresentam velocidades de mesmo módulo e a direção da velocidade de um Boid em t+?t é calculada pela média das velocidades de seus vizinhos. Nesta abordagem um "boid" representa o centro de uma célula, e o tecido celular seria recuparado a partir dos diversos "animoides" através de uma rede de Voronoi. Esta abordagem está em fase preliminar, mas os resultados até agora obtidos apontam para uma velocidade de cálculo várias ordens de magnitude maior. Em resumo, nesta linha estamos investigando fenômenos de transporte e difusão em meios altamente não homogêneos com interação direta com os experimentos.


Espumas


Um "fluido celular" apresenta um comportamento mecânico original devido à natureza discreta de suas células ou bolhas. Assim, quando submetidos a pequenas tensões, eles respondem como um sólido elástico tal que quando a tensão é relaxada, voltam à forma original. Por outro lado, sob a ação de uma forte compressão, as células deslocam-se umas em relação às outras e o material escoa irreversivelmente como um fluido. Nesta linha de pesquisa nós procuramos descrever, compreender e prever as propriedades mecânicas de tal meio. Do ponto de vista de ciência básica, estes materiais tipificam os fluidos complexos, materiais cuja resposta pode ser tanto elástica como viscosa. Nós procuramos escrever uma equação para caracterizar sua resposta mecânica, pondo em evidência os pontos comuns e suas diferenças de um líquido simples. Do ponto de vista de aplicação, as propriedades mecânicas das espumas são cruciais para a sua utilização na separação de minerais por flotação, na perfuração e extração de petróleo assim como na limpeza industrial em meios confinados.


Para estudar difusão de bolhas em espumas introduzimos uma técnica experimental original que é aplicar uma tensão de cisalhamento periódica no material. A perturbação ocasionada pela distorção mecânica do sistema fornece a energia necessária para a sua relaxação, o que é analogo a um ruído térmico macroscópico. Presentemente possuímos dois experimentos montados, um no nosso laboratório e outro no laboratório do Prof. F. Graner, na Universidade Joseph Fourier, em Grenoble, em condições de obtenção de dados. Resultados para a descrição do relaxamento de uma mistura de bolhas de diferentes tamanhos, e para o arredondamento de cavidades em espumas devem ser obtidos e comparados nos próximos meses. Parâmetros como a função distribuição do tamanho das bolhas, o efeito da desordem, e as condições de contorno, importantes na determinação na resposta mecânica das espumas também serão investigados. br>

Nesta linha também estamos realizando cálculos analíticos e simulações numéricas utilizando o modelo de Potts. Para simulações do modelo de Potts contamos com a colaboração do grupo de Bioinformática da Unisinos. Do ponto de vista computacional, uma simulação de Potts com matrizes de dimensões 100x100x100 para armazenar o sistema, ainda de tamanho pequeno para fins estatísticos, requer aproximadamente 3 dias de processamento em um computador monoprocessado tipo Pentium IV de 3Ghz. Para a simulação realística de espumas desejamos utilizar arrays de tamanho 1000x1000x1000 para armazenar o sistema a ser simulado e que requerem, no mínimo, 4Gb de memória RAM. O Laboratório de Bioinformática da Unisinos desenvolveu um algoritmo (patente em análise) para máquinas multiprocessadas que permite ganhos consideráveis de tempo na simulação do modelo de Potts. Considerando que necessitamos simular sistemas maiores, necessitamos de arquiteturas computacionais multiprocessadas ainda não disponíveis para o grupo deste projeto. Agregados de computadores (clusters) não se apresentam como uma alternativa viável para este tipo de problema devido à alta latência na troca de mensagens entre os nós do agregado. Ou seja, na prática não há ganho de tempo considerável com uso de agregados. A alternativa viável é o uso de códigos paralelizados com threads em arquiteturas multiprocessadas com 4 ou mais processadores, visto que a troca de informação entre processadores na mesma placa-mãe é da ordem de 103-4 vezes mais rápida que entre os nós em um agregado interconectado com placas Gigabit (109 bps), as mais rápidas atualmente.